sexta-feira, 19 de abril

Podemos compreender a Bíblia se não somos experts? (parte 2/2)

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A Bíblia é um livro grande. Para muitas das pessoas com quem trabalhamos na periferia é um livro muito grande. Em suas páginas, encontramos muitos tipos diferentes de literatura: poesia, profecia, história, narrativa, epístolas e escritos apocalípticos. É pesado. Entendê-la corretamente não é fácil, mas certamente não é impossível. Não precisamos estudar em um seminário para abrir a Bíblia e entendê-la. Uma Bíblia aberta, na mão de um leitor ávido e cheio do Espírito, é algo poderoso.

Existem no entanto algumas armadilhas e ciladas a serem evitadas, e esta séria de dois artigos irá nos passar algumas dicas bem básicas. Então, o que devemos ter em mente enquanto pensamos em ler e ensinar a Bíblia em nossa periferia ou comunidade carente?

Certifique-se de pesquisar as palavras que você não entende. Em Romanos 3.25 lemos: “a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos”.

Propiciação não uma palavra familiar para muitas pessoas. Não é como se fosse usada diariamente (exceto pelos nerds da Bíblia)! Contudo, é uma palavra de enorme importância na Bíblia e, por essa razão, nós precisamos lidar bem com ela.

Ela está ligada a restabelecer o relacionamento com alguém que esteja irado por alguma coisa que você fez. Neste caso, é Deus satisfazendo sua ira para com o homem por meio da morte do seu Filho.

Certifique-se de usar uma ilustração apropriada quando estiver tentando entender uma palavra complicada.

Muitos de nós trabalham com pessoas com problemas não resolvidos de raiva. Esta é a raiz de muitos problemas. Alguém sofreu abuso, foi rejeitado, machucado e/ou fez alguma coisa contra uma pessoa querida ou membro da família. Talvez alguém esteja doente ou morreu. Talvez o responsável tenha se livrado, ou pensam que se livraram, e nós queremos justiça. Fervemos por dentro. Ficamos com raiva. Ficamos deprimidos. Queremos que alguém pague por esse mal que nos foi feito. Nós, com frequência, sentimos a necessidade de soltar todas essas emoções em cima daqueles que nos fizeram mal. Se não gastarmos essa raiva e se não lidarmos com essa emoção, nós nunca encontraremos paz. Nunca saberemos o que é o verdadeiro perdão. Então precisamos encontrar uma maneira saudável de liberar, expressar e gastar nossa raiva – para canalizá-la efetivamente. Isso pode significar muitas coisas: desde fazer aulas de boxe e lidar com a raiva de forma física, até ter um diário no qual derramamos no papel nossos pensamentos raivosos. Ao passar o tempo, a medida que aquela raiva assassina é liberada e gasta, nós nos tornamos mais calmos e alguns de nós podem inclusive chegar ao ponto de perdoar aqueles que nos feriram. Para aqueles que são cristãos, podemos também chegar ao ponto de amar, ao invés de odiar, aqueles que nos fizeram mal e nos reconciliar sempre que for seguro e possível.

Agora, vamos levar isto de volta para cruz. Deus foi profundamente ofendido, por todos os nossos pecados – milhões de vezes mais do que qualquer um de nós experimentou ou experimentará. Mas, diferente de nós, Deus é completamente perfeito, santo e justo por natureza e nunca pecou ou cometeu algo de errado. Logo a raiva que qualquer de nós tenha sentido por causa da injustiça feita contra nós, não pode ser comparada nem de longe a justa ira de Deus. Se nós – pessoas que fazem mal e machucam os outros o tempo todo – ficamos com raiva daquilo que nos é feito, quanto mais Deus? Se nós procuramos justiça, quanto mais Deus?

A fúria justa de Deus precisa ser canalizada. Ele é Deus. Ele precisa receber justiça em razão daqueles que lhe ofenderam. Então, Deus o Filho voluntariamente entregou sua vida para ser o objeto para o qual Deus canalizou sua justa ira. Não existia outra forma de sermos perdoados, nenhuma outra forma de sermos reconciliados. Ainda não existe. A ira de Deus pelo nosso pecado – a maneira como lhe ferimos, abusamos, abandonamos e ofendemos – é derramada sobre Jesus ou um dia será derramada sobre nós.

Quando entendemos as palavras, elas se tornam poderosas e nos enchem com adoração. Nunca passemos por cima de uma palavra só porque ela nos dá dor de cabeça. Nós podemos perder verdades extremamente importantes que podem até afetar negativamente nosso entendimento do evangelho.

Procure por palavras e frases repetidas. Um estudo rápido de Efésios 1.3-14 vai rapidamente mostrar a importância de palavras e frase repetidas para nos ajudar a encontrar o ponto chave de um texto. Meu argumento é que Deus se deu o trabalho de repetir algo, então isso é muito importante!

3 Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo, 4 assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor 5 nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, 6 para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado, 7 no qual temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça, 8 que Deus derramou abundantemente sobre nós em toda a sabedoria e prudência, 9 desvendando-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito que propusera em Cristo, 10 de fazer convergir nele, na dispensação da plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do céu como as da terra; 11 nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade, 12 a fim de sermos para louvor da sua glória, nós, os que de antemão esperamos em Cristo; 13 em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; 14 o qual é o penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória.

Procure por comparações e contrastes. 1 João 3.11-18 nos oferece uma chance prática de observar comparações e contrastes. Aqui é digna de nota a diferença entre os filhos de Deus e os filhos do diabo.

11 Porque a mensagem que ouvistes desde o princípio é esta: que nos amemos uns aos outros; 12 não segundo Caim, que era do Maligno e assassinou a seu irmão; e por que o assassinou? Porque as suas obras eram más, e as de seu irmão, justas. 13 Irmãos, não vos maravilheis se o mundo vos odeia. 14 Nós sabemos que já passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos; aquele que não ama permanece na morte. 15 Todo aquele que odeia a seu irmão é assassino; ora, vós sabeis que todo assassino não tem a vida eterna permanente em si. 16 Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por nós; e devemos dar nossa vida pelos irmãos. 17 Ora, aquele que possuir recursos deste mundo, e vir a seu irmão padecer necessidade, e fechar-lhe o seu coração, como pode permanecer nele o amor de Deus? 18 Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade.

Entenda o básico de história e geografia. Eu sei, eu sei. É entediante para a maioria de nós. Estas eram as aulas dispensadas rapidamente na escola. Mas quando se trata da Bíblia, elas são muito importantes. Vamos usar João 4.1-5 como um exemplo da utilidade de um pouco de história e geografia.

1 Quando, pois, o Senhor veio a saber que os fariseus tinham ouvido dizer que ele, Jesus, fazia e batizava mais discípulos que João 2 (se bem que Jesus mesmo não batizava, e sim os seus discípulos), 3 deixou a Judéia, retirando-se outra vez para a Galiléia. 4 E era-lhe necessário atravessar a província de Samaria. 5 Chegou, pois, a uma cidade samaritana, chamada Sicar, perto das terras que Jacó dera a seu filho José.

Nos três primeiros versos, Jesus estava tendo problemas com os líderes religiosos. Eles tinham ciúmes de João Batista, porque muitas pessoas o seguiam e agora Jesus se tornava mais popular do que ele. Então Jesus decide voltar para Galiléia. Se olharmos para um mapa básico daquele período veremos que essa era uma viagem considerável. Ele poderia ir direto, passando por Samaria, mas como era costume dos Judeus, ele escolheu ir pelo caminho longo. Na verdade, no verso 4, lemos que “era-lhe necessário” atravessar Samaria. Essa é uma reviravolta interessante. Por que “era-lhe necessário” atravessar pela Samaria?

Depois de ter consultado um livro básico sobre história e geografia bíblica precisamos ilustrar o ponto chave de João aqui.

Onde eu cresci em Halifax existiam três comunidades rivais: Mixy, Ovenden e Abbey Park. Como um menino do Mixy passar através das outras duas era um pesadelo. Mas algumas vezes nós precisávamos atravessar para ir ao mercado ou à escola. Normalmente, evitávamos passar por aquelas comunidades simplesmente dando a volta pelo caminho mais longo, sendo assim poupados de muitos problemas e, talvez, até de um boa surra.

O mesmo acontece aqui só que numa escala muito maior. De fato, os religiosos Judeus evitariam Samaria se pudessem. As pessoas pensavam daquele lugar um pouco como pensam sobre comunidades da periferia. Só marginais moram lá. Eu me lembro de quando Gavin Peacock voou para Edimburgo vindo de Londres. Ele veio em um avião de hélice e estava um pouco nervoso. Ele perguntou para o homem ao seu lado se aquela coisa era segura e o homem riu e perguntou para onde ele estava indo. Ele disse Niddrie. Deixe-me colocar desse jeito, disse o homem, é mais seguro estar neste avião do que no lugar para onde você vai! Em outra oportunidade, um amigo meu estava em uma pousada na cidade e queria que o proprietário chamasse um taxi para ele ir até Niddrie para falar em nosso culto da manhã. Mas eles se recusaram e tentaram convencê-lo a ir à igreja por uma rua em uma área melhor. Eles simplesmente se recusaram a chamar-lhe um taxi. Para o seu próprio bem, eles lhe disseram. É um lugar que não tem uma boa reputação em seu trato com visitantes.

O mesmo era verdade em relação à Samaria. As pessoas que viviam naquele lugar eram consideradas como piores que ratos. Judeus respeitáveis não chegariam nem perto daquele lugar. Aquela terra originalmente tinha estado na mão dos judeus desde quando Jacó havia comprado as terras na região, conforme descrito em Gênesis. Ele construiu o poço da narrativa de João e o deu, então, a José. José foi para o Egito e quando morreu instruiu ao seu povo que levassem seus ossos para essa propriedade. Nós lemos em Josué 24.32 que ele fizeram isso depois dos anos de peregrinação.

Os judeus consideravam o local como santo. Abraão e Isaque construíram altares lá. Os judeus amavam a região. Mas em 720 a.C., os assírios, que odiavam os judeus, invadiram a terra santa, conquistaram-na e levaram todos cativos. 2 Reis 17.23-24. Eles deixaram algumas pessoas na terra. Eles mataram os homens, violentaram as mulheres e tentaram destruir toda a cultura deles. Os judeus que restaram se mesclaram com os assírios. Então, os assírios levaram o seu povo para morar na casa dos judeus e desfazer a etnia deles. Parecido com o que os ingleses estavam tentando fazer com os escoceses no “Coração Valente”. Eles queriam acabar com a etnia para que nas futuras gerações não pudessem levantar o exército contra eles. Assim aqueles que foram deixados tiveram que tomar uma decisão. Eles deveriam obedecer a Deus ou seguir essa nova tendência. É triste, a história mostra que eles de seguir a Deus passaram a oferecer sacrifícios de crianças. Então quando os judeus finalmente saíram do exílio e voltaram para sua terra e descobriram aquelas etnias misturadas morando lá, eles os odiaram profundamente. Terras e casas que haviam pertencido a famílias por gerações haviam sido devastadas ou tomadas por estranhos. As pessoas estavam com raiva. É como quando derrubam todas as casas de uma comunidade da periferia e levam as pessoas para o outro lado da cidade e agora encontramos a nossa volta pessoas novas que mudaram para casas novas e trazem com eles suas formas estranhas de viver.

Os samaritanos queriam ajudar na reconstrução do tempo em Esdras e Neemias quando os judeus voltaram do exílio, mas os judeus não aceitaram. Então, os samaritanos decidiram fazer tudo que podiam para impedir a reconstrução e até uniram forças com os inimigos de Deus. Os judeus nunca esqueceram isso e, por isso, os samaritanos eram impedidos de entrar no templo ou de ter qualquer contato com Judeus. Os samaritanos construíram seu próprio templo no Monte Gerazim e instituíram uma religião similar a dos judeus. Eles inventaram seu próprio sistema. As coisas caminharam assim por aproximadamente trezentos anos. Então por volta de 120 anos antes de Jesus, os judeus marcharam através de Siquém, marcharam montanha acima e queimaram o templo deles. Essas pessoas eram vistas como subumanos. Crianças de rua. Lixo. Qualquer judeu encontrado nesta área seria preso e surrado, e vice-versa.

Esse é o contexto no qual Jesus entra. Essa era a área que por onde era “necessário” Jesus passar. Ele poderia ter ido pelo caminho mais longo, dando a volta, como os outros judeus, mas era necessário que ele passasse por Samaria, eu creio, porque Deus queria que ele assim fizesse. Se você continuar a ler o texto de João verá que Deus tinha alguém “importante” para que Jesus encontrasse.

Um pouco de conhecimento de história e geografia torna a Bíblia maravilhosamente mais clara. Consiga um bom dicionário ilustrado da Bíblia. Será dinheiro bem gasto. Nós não precisamos ser grandes eruditos para entender a Bíblia. Só precisamos estar motivados, em oração e nos importarmos o bastante com o Senhor e com sua Palavra revelada a fim de nos esforçarmos. O Espírito Santo fará o restante e nós cresceremos em conhecimento, amor e na verdade.

Bom estudo.

 

Tradução: Fabio Luciano
Revisão: Vinícius Musselman Pimentel


Autor: Mez McConnell

É pastor sênior da Niddrie Community Church, Edimburgo, Escócia. É fundador do 20schemes, um ministério voltado para plantação de igrejas nos lugares mais difíceis da Escócia. Desde 1999, McConnell tem se envolvido com o ministério pastoral, tanto em plantação quanto revitalização.

Parceiro: 20schemes

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20schemes existe para edificar igrejas saudáveis centradas no evangelho para as comunidades mais pobres da Escócia.

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