quinta-feira, 28 de março

Conhecimento impossível

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Nos filmes “Matrix“, na porta da “Oracle” há uma placa com a frase grega, numa versão em latim: “Conhece-te a ti mesmo”. Pausânias, pesquisador e viajante do segundo século, registrou que a frase estava escrita no oráculo de Delfos no Templo de Apolo. A autoria dela é incerta e tem sido atribuída a diversos pensadores da antiguidade, incluindo Sócrates, Tales e Pitágoras. A origem é incerta, mas o desafio desse pensamento, muitas vezes agonizante, não é. Uma das mais profundas lutas do ser humano é conhecer a si mesmo. Bonhoeffer, o pastor e teólogo que foi preso e morto por ordem de Hitler, escreveu na prisão um poema inquietante: “Quem Sou Eu?”.

A modernidade, movida pela idade da razão dos séculos passados, cria que a razão humana era suficiente para conhecer tudo e que atingiria o conhecimento absoluto e universal. Vivemos dias quando essa confiança na razão se enfraqueceu, se não de todo, desapareceu. Sabe-se que a razão humana tem uma visão sempre limitada e parcial. Alguém já disse que todos conhecem a partir de algum lugar. O conhecimento humano é definido pelo ângulo da posição finita do observador ou conhecedor. É um conhecimento parcial, se não tendencioso.

Se isso é verdade com relação ao conhecimento externo, não é menos verdade quanto à interioridade ou a conhecer-se a si mesmo. Mas, se o individuo não é suficiente em si mesmo para conhecer a ele próprio, então ele necessita recorrer a alguém além dele. Ele necessita, porque ninguém é um ser íntegro e significativo enquanto não conhecer a si mesmo. Por isso, muitos recorrem a outro ser humano, como a algum conselheiro das ciências humanas, ansiando conhecer a si mesmo. Mas isso apenas leva o problema para um passo a frente. Sendo o conhecimento humano parcial e limitado, assim também é o conhecimento do conselheiro. É inevitável conectar essa busca de aconselhamento com a indagação de Cristo: “Pode um cego guiar outro cego?” (Lucas 6.39). Séculos antes de Cristo, o salmista já lidou com essa questão, porém, de um modo totalmente diferente. Ele clamou: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece minhas inquietações” (Salmo 139.23). Diante da insuficiência do conhecimento humano, sobra apenas Deus para responder a ansiedade do autoconhecimento. O ser humano conhece parcialmente a partir de um lugar, mas Deus conhece a partir de todos os lugares. E é preciso haver esse conhecimento absoluto e divino, ou o ser, existência e realidade ficam desprovidos de qualquer nexo e significado. O vazio, inquietação e agonia que isso causa é nitidamente revelado no destroçar das pessoas na atualidade.

Reconhecendo a limitação encontrada em si mesmo, o salmista vai se abrigar no conhecimento de Deus – “…conhece o meu coração”. Ele quer o conhecimento de Deus, especialmente sobre si mesmo. Porém, o termo conhecer, aqui usado, precisa ser entendido. Não se trata apenas de informação. Esse termo é usado nas Escrituras Sagradas para o conhecimento relacional e formativo. Um relacionamento de amor. A preocupação do salmista não é um mero coletar de informação. E nem é transferência de informação de Deus para ele. Isso seria impossível. O que o salmista quer é que Deus o conheça. Se ele fosse conhecido por Deus, a vida dele faria todo sentido e cada passo dele seria discernido e esclarecido a partir de Deus. Se ele fosse conhecido de Deus, então haveria uma luz além de si mesmo para seus temores, fracassos, preconceitos e vazio. O fato de ser conhecido por Deus não é apenas conhecimento pleno, mas é conhecimento que dá significado e forma à existência. Assim o salmista concluiu o salmo: “guia-me pelo caminho eterno”.

Deus abriu esse conhecimento a todos a partir da cruz de Cristo. No encontro com a verdade da cruz, somos conhecidos por Deus e reconhecemos nossa necessidade de depender do conhecimento e direção de Deus. E nesse conhecimento, nossos fracassos e erros são tratados e alcançamos um sentido eterno. Na cruz, pela nossa punição colocada em Cristo, Deus revela quem somos diante dele, mas também nos recebe em perdão eterno. E então, relacionados com Ele, mesmo enquanto limitados, descansamos no fato de que somos dele, formados e dirigidos por Ele – o soberano e eterno. Em Cristo, Deus nos conhece no seu conhecimento pleno, mas em amor e graça.

Bonhoeffer, o pastor morto na prisão de Hitler, assim concluiu seu poema: “Quem sou eu? Este ou outro? Sou uma pessoa hoje e outra amanhã?… Ou há alguma coisa ainda em mim, como um exército derrotado, fugindo em debandada da vitória já alcançada? Quem sou eu?… Seja quem for eu, Tu sabes, ó Deus, que sou Teu!”.


Autor: Jesse Campos

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Ministério Fiel: Apoiando a Igreja de Deus.

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