sexta-feira, 29 de março

Seres humanos não são germes: uma defesa cristã da dignidade humana

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Vários anos atrás, a mãe de um estudante universitário veio até mim espremendo as mãos de forma ansiosa, dizendo: “Eu não sei o que fazer com meu filho. Eu tenho orado por ele há anos; ele está totalmente revoltado. Ele está se drogando; está fazendo coisas selvagens e loucas, e não me ouve a respeito da fé cristã. Você poderia falar com ele”?

Adverti-a de que forçá-lo a vir falar comigo faria dele um ouvinte relutante, mesmo assim aceitei o pedido. Ela, então, persuadiu o jovem a vir até mim. Quando ele entrou, estava carrancudo, seco e claramente hostil. Então eu perguntei a ele: “Com quem você está bravo”? Ele respondeu: “Com minha mãe”. E eu disse: “Por que você está bravo com sua mãe”? Ele disse que estava bravo com ela porque “toda vez que eu estou por perto ela continua tentando empurrar a religião pela minha garganta abaixo”.

Eu disse: “Entendo, você não acredita no cristianismo”? Ele disse “Não, senhor”. “Tudo bem”, respondi, “então em que você acredita”? Ele disse: “Eu acredito que todos deveriam ter o direito de fazer as coisas conforme seus próprios interesses”. “Tudo bem”, respondi, “mas por que, então, você está bravo com sua mãe”? Ele disse: “O que você está querendo dizer”? “Bem”, eu respondi, “talvez seja do interesse de sua mãe empurrar a religião pela garganta das pessoas. O que eu estou ouvindo você dizer é que todos podem fazer o que quiserem, desde que essas coisas não se imponham aos teus próprios interesses. E você quer poder fazer as tuas próprias coisas, mesmo que isso se imponha aos interesses das outras pessoas”.

Eu disse: “Você não vê que se tivesse reclamado para mim, com base nos padrões éticos cristãos, as coisas seriam diferentes? Se a sua mãe estivesse lhe provocando à ira e sendo totalmente insensível a você como pessoa, então eu teria uma razão para ficar ao seu lado. Eu poderia defender sua causa contra sua mãe”. Nesse ponto ele começou a se interessar pela fé cristã.

Claro, o ponto da ilustração é que o jovem sabia do que não gostava, mas não havia pensado nisso. Ele queria chegar à conclusão de que fundamentalmente não há base para a ética, mas o que ele não sabia é que não poderia viver sob o domínio dessa realidade. E esse é o ponto que mesmo um filósofo não cristão como Immanuel Kant concluiu, a saber, que a vida é impossível sem Deus, sem justiça, sem vida após o túmulo.

O ponto de partida é este: se não há Deus, se não há vida após a morte, então todas as nossas decisões éticas são absolutamente insignificantes. Essa é uma conclusão real da qual não podemos fugir. Se pensarmos sobre isso, veremos que é a única conclusão que podemos alcançar se omitirmos Deus de nosso pensamento. A única alternativa a uma ética absoluta é uma ética relativa. Não podemos ter uma ética absoluta sem um Criador pessoal.

Confessar que Deus é Criador é confessar que não somos acidentes cósmicos desprovidos de valor. Nós viemos de um lugar significativo e estamos indo em direção a um destino de importância.

Deterministas mecanicistas e hiperevolucionistas dizem que o animal humano é o maior avanço em uma escala de vida que emergiu do lodo primordial. A humanidade, o germe adulto, é o resultado de forças cósmicas acidentais, e o destino da raça humana está à mercê dessas forças impessoais e indiferentes. Essa visão nem nos deixa em total escuridão sobre o objetivo da existência humana, nem chega a nos apontar na direção do significado da existência humana. O que começou no lodo está destinado à desorganização ou desintegração orgânica.

A visão mecanicista não oferece compreensão do significado da vida. Várias tentativas foram feitas para desenvolver um senso de ética mecanicista. Todos falharam. Por que os germes deveriam ser morais? Se eu sou um acidente cósmico, por que eu deveria, se quer, me importar com você? Por que preferir a vida à morte? O que há de tão especial na vida? Por que um ser humano deveria ter mais valor do que uma pedra?

As versões modernas do humanismo secular adotam essa descrição mecanicista ou evolucionária de nossas origens, no entanto, não seguem até a conclusão inevitável. Sim, todas as formas de humanismo compartilham uma preocupação com a humanidade e seu bem-estar, mas à parte de Deus não pode haver uma base estável e duradoura para tal preocupação.

Tanto o cristianismo quanto o humanismo buscam a cura de relacionamentos rompidos, e ambos honram a dignidade do ser humano. Contudo, suas bases para a dignidade são radicalmente diferentes. O cristão vê a relação interpessoal horizontal como inseparável do relacionamento vertical com Deus. Permanecer no nível horizontal humano é negligenciar o caminho em direção ao significado humano eterno. Para estabelecer a dignidade humana sem reconhecer o Deus da Criação, o humanista deve agir de maneira arbitrária e irracional. Se os seres humanos surgiram por acaso do caos, por que a dignidade deveria ser atribuída a eles? Desde o advento da fé cristã, o humanismo tem constantemente incorporado os valores cristãos e a ética, arrancando o coração do contexto teológico do cristianismo. No entanto, esse contexto é a única razão pela qual os valores e a ética fazem sentido. Como um ser humano representativo, eu me ressinto das exigências morais se alguém me diz que eu “deveria” fazer isso ou aquilo sem me dar qualquer razão. Os humanistas têm, por razão nenhuma, feito da dignidade e valores simples “dados” da experiência humana. Para certificar-se que nossa experiência concorda com a avaliação deles, gritam que a vida é valiosa e que cada pessoa é uma criatura de imenso valor e dignidade. Esse grito, entretanto, é oco se vier de um germe sem nenhum destino além da morte.

O cristianismo ensina que a dignidade humana está enraizada na santidade de Deus; reflete a dignidade de Deus. Isso porque os seres humanos são feitos à imagem de Deus (Gn 1.27). O Criador, que possui valor e dignidade infinitos, nos selou com valor e dignidade que são derivados de seu próprio valor e sua própria dignidade. Perca essa ideia, e você perdeu qualquer razão transcendente e fundamental para tratar os seres humanos de forma diferente do que trata um cão, um golfinho ou mesmo uma erva daninha. Não é por acaso que os dois maiores mandamentos são o amor a Deus e o amor ao próximo (Mt 22. 34-40). Você não pode obedecer ao segundo sem obedecer ao primeiro, e somente aqueles que realmente obedecem ao primeiro é que podem obedecer ao segundo, pois se amamos o Deus da infinita dignidade, também amaremos as pessoas, porque elas refletem, ainda que imperfeitamente, a dignidade de Deus.

Nossa noção de dignidade é fundamentalmente baseada na dignidade de Deus e em sermos feitos à imagem dele. Assim, aplicamos títulos de dignidade às pessoas, mas não aos animais ou outros elementos da Criação. José Silva parece soar mais importante quando ele é chamado de “Dr. Sivla”, “o honorável congressista Silva” ou “Presidente Silva”. Mas “Germe Silva” simplesmente não tem o mesmo impacto. As pessoas não constroem monumentos para germes. Poucas pessoas choram quando uma mosca morre.

Essa não é apenas uma questão de semântica ou de história. A diferença de valor entre as visões humanistas e criacionistas em relação à dignidade humana tem um significado profundo. Martin Luther King Jr. não deu sua vida para promover a causa dos direitos civis iguais para os germes negros. Muitos milhares trabalham agora, incansavelmente, no movimento pelo direito à vida, mas não para salvar as vidas dos vírus incubados nas pessoas. Embora instintivamente nós automaticamente assumamos a dignidade dos seres humanos, isso é pura tolice à parte da Criação.

Sei que o humanismo secular é eloquente em relação à importância de sermos virtuosos e de como é importante trabalharmos pela dignidade humana, pela liberdade, pela indústria e pelo amor. Mas, intelectualmente, nunca vi nada mais lamentável do que o tipo de humanismo filosófico que nos diz, por um lado, que nossa origem como seres humanos é um acidente cósmico, que somos germes adultos que surgiram por acaso do lodo e que estamos destinados, em última instância, à aniquilação, ao não-ser, ao caos de “das Nichts”, à insignificância, mas mesmo assim, por outro lado, desfrutamos de enorme significado entre nossa origem e nosso destino. Isso sim é falar de fantasia e projeção de anseios. Isso sim é falar sobre a fé cega lançando-se ao absurdo. O que poderia ser mais absurdo do que celebrar a importância dos germes adultos? Eu digo francamente ao humanista secular: “Não me venha falar sobre a dignidade humana, porque não me importo se os germes brancos ou os germes negros ficam na parte de trás do ônibus. E eu não me importo com o lodo que é levado por um holocausto nuclear. Se vou me importar com os seres humanos e com a dignidade humana, quero uma razão.”

Se você me chamar para uma ação sacrificial e altruísta em favor dos seres humanos, é melhor ter uma razão. E essa razão deve ser maior do que simplesmente afirmar que devemos ajudar pessoas porque somos pessoas. Porque a menos que possamos estabelecer que ser uma pessoa signifique alguma coisa, isso não passaria de puro emocionalismo. E os direitos concedidos com base na pura emoção acabam sendo desfeitos. O que a emoção dá, também pode levar embora. Mas se a nossa dignidade humana é dada por Deus e é reconhecida por nossa cultura, então temos direitos humanos fundamentais que orientam como tratar as outras pessoas sob a lei e até mesmo individualmente no nível pessoal.

 

Tradução: Paulo Reiss Junior.

Revisão: Vinicius Musselman Pimentel.

Original: We Are Not Germs: The Case for Human Dignity.


Autor: R. C. Sproul

R. C. Sproul nasceu em 1939, no estado da Pensilvânia. Foi ministro presbiteriano, pastor da igreja St. Andrews Chapel, na Flórida. Foi fundador e presidente do ministério Ligonier, professor e palestrante em seminários e conferências, autor de mais de sessenta livros, vários deles publicados em português, e editor geral da Reformation Study Bible.

Parceiro: Ministério Ligonier

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Ministério do pastor R.C. Sproul que procura apresentar a verdade das Escrituras, através diversos recursos multimídia.

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