sexta-feira, 29 de março

Regulador como o jazz

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Institivamente, nunca estive muito apaixonado pelo princípio regulador do culto. De alguma forma, ele parecia excessivamente prescritivo.

O princípio ensina que tudo que uma igreja inclui na ordem dominical do culto deve ter garantia das Escrituras. Essa garantia, diz Ligon Duncan: “pode vir na forma de diretivas explícitas, requerimentos implícitos, princípios gerais das Escrituras, ordens positivas, exemplos e coisas derivadas de uma boa e necessária consequência” (Give praise o God [Rendei graças a Deus], p 23). Mas o ponto é que igrejas não deveriam fazer o que a Bíblia não diz para fazer.

Uma abordagem mais sutil, e uma que apela para muitos evangélicos, é encontrada no princípio normativo. O princípio normativo certamente afirma que igrejas devem fazer o que as Escrituras ordenam – como pregar, orar e cantar. Porém, isso também abre espaço na ordem de serviço para práticas não proibidas nas Escrituras – quer esteja ilustrando o sermão com uma dramatização, pintura a dedo para mostrar sua resposta a uma leitura Bíblica, ou balançando um incensário.

Agora, não estou procurando por um incensário ou uma pintura a dedo, mas o não-conformista em mim quer se inclinar para o normativo. Admito. Porém, o conformista bíblico em mim acredita que nós deveríamos manter o princípio regulador. Na verdade, o fato de que isso é mais restritivo para a igreja significa que isso oferece mais liberdade para os cristãos. Posso tentar persuadi-lo, também?

A chave é a garantia

A chave é a palavra garantia. O princípio regulador não somente requer que igrejas estejam atentas às ordenanças bíblicas em suas reuniões. Ele requer delas que somente estejam atentas às ordenanças bíblicas. Isso quer dizer que igrejas devem somente fazer o que têm sido autorizadas ou licenciadas para fazer. Toda e qualquer atividade corporativa deve ter uma garantia.

Talvez uma ilustração irá ajudar. Minha mulher e eu recentemente desfrutamos de Gregory Porter no histórico Howard Theater de Washignton, DC. Talvez isso me inspirou abrir um clube de jazz em meu próprio bairro de Washignton. Então, fui em busca da licença de negócios apropriada, que foi então então garantida, e eventualmente abrimos nosso negócio.

Clientes vieram. Eles amaram a música. Mas havia algo faltando. Eles continuavam perguntando por cardápios de comidas. Pensei comigo mesmo na minha experiência no Howard Theater, e, com quase certeza, eles nos serviram jantar. Que combinação foi: comida e jazz! Então, instalei uma cozinha no clube, contratei um cozinheiro e garçons, e comecei a servir o jantar. Perfeito!

Nesse ponto, entretanto, um homem do departamento municipal de licenciatura apareceu e perguntou se eu tinha permissão para um estabelecimento que servisse comida. Bem, não, mas você entende senhor, noite após noite, as pessoas estavam pedindo por comida. Então, faz todo sentido oferecer-lhes um cardápio.

Bem, quer “faça sentido” ou não, disse o agente, servir comidas expõe o clube a outro círculo de regulações e responsabilidades que servem para proteger os cidadãos do município. E a licença em mãos simplesmente não diz nada sobre servir comida. Uma licença adicional é necessária, ou taxas serão cobradas.

Garantia nas chaves

O que nossa geração de cristãos – que são de alguma forma individualistas e anti-institucionais – esquece é que a igreja reunida opera com um padrão diferente de autorizações, garantias ou licenças de um cristão individual. A igreja local reunida é autorizada em Mateus 16, 18 e 28 pelas chaves do reino de Cristo a fazer uma declaração internacional acerca de o que e de quem: O que é o evangelho e quem é um cidadão evangélico? Somente porque sou um cidadão dos Estados Unidos não significa que tenho a autorização para aparecer no aeroporto internacional sem um passaporte americano, e somente porque sou um cristão não significa que tenho autorização para batizar meu amigo na piscina do quintal ou ministrar a Ceia do Senhor com minha esposa e filhos em casa. A igreja reunida possui essa autoridade (Para uma defesa desse parágrafo veja o capítulo 4 aqui e o capítulo 3 aqui).

O que isso significa é que os cristãos individuais precisam da igreja local. Ele ou ela precisa da igreja para o bem do crescimento em graça. Sim, pessoas sabem disso, mas também, criticamente, os crentes individuais precisam da igreja para serem inicialmente reconhecidos como um cristão no batismo e para continuar nesse reconhecimento através da Ceia do Senhor.

Isso quer dizer que precisamos de igrejas porque elas provêm a estrutura confiável formal que garante que as pessoas que professam o evangelho também vivam pelo evangelho – isso é o que, o quem do evangelho e uma vida no evangelho adequada!

Uma igreja provê reconhecimento e confiança para a vida cristã.

Agora, aqui é onde o princípio regulador se torna um bom negócio: se o crente precisa de uma igreja para ser formalmente reconhecido como um cristão, então é melhor que a igreja garanta que não vai forçar nada em relação a um cristão que a Bíblia e o evangelho não requerem.

Cristãos certamente são livres para adorar a Deus de várias formas, incluindo com incenso e pintura a dedo. Mas tão logo quanto uma igreja decida algo para sua ordem de serviço, é requisitado efetivamente de todos os membros para adoraram a Deus dessa forma. É como a diferença entre escolher se abster do álcool por si mesmo e requisitar cada membro da sua igreja a se abster do álcool.

Cristãos devem se vincular a uma igreja. Esse é o motivo pelo qual igrejas não validam o cristão ou a consciência cristã onde a Escritura não valida. E tudo que escrevemos para a ordem eclesiástica de serviço efetivamente ordena como cristãos adoram a Deus na assembleia.

O princípio normativo parece que deixa as igrejas mais livres e o não-conformista em mim gosta disso. Mas, ironicamente, o princípio regulador deixa o cristão mais livre, o que o conformista-cristão em mim definitivamente gosta.

Admito que é um pouco difícil ver o problema quando temos muitas igrejas para escolher. Se não gostamos do que a igreja faz, simplesmente vou para outra. Porém, coloque-se no lugar de alguém vivendo numa cidade com somente uma igreja, como a situação entre nossos irmãos e irmãs cristãos em várias nações muçulmanas, ou como era entre muitas igrejas no Novo Testamento. Seria requerido de você uma aproximação a Deus em adoração pública através de alguns métodos que você pensaria serem não-bíblicos e nocivos.

Quer você viva em uma cidade com uma igreja ou cem, o princípio regulador reivindica que igrejas não têm garantia de colocar elementos não-bíblicos na ordem de serviço eclesiástico. Ele procura libertar os cristãos de tais amarras.

O que o documento de licença diz?

O que uma igreja deveria fazer é muito fácil. Ela deveria olhar para sua licença de estabelecimento e perguntar: “o que exatamente o Rei Jesus nos autorizou a fazer?”. Podemos despertar em meio às águas do que “faz sentido”, ou podemos cuidadosamente ler o próprio documento de licença, a saber, o Novo Testamento.

O que o documento licencia que eles façam? Basicamente, ele autoriza as igrejas a fazerem coisas que elas têm feito por 2000 anos de reuniões: vincular e excluir através da Ceia do Senhor e batismo; ensinar e pregar; leitura bíblica e louvor. Enquanto muitas atividades caracterizam as igrejas de forma espalhada, essas coisas parecem caracterizar a igreja de forma unida (por exemplo, Atos 2.46; 1Coríntios 5.4, 11.18-22, 33-34, 14.1-39).

Agora, talvez “faça sentido” ilustrar o sermão com uma dramatização, pintar a dedo sua resposta a uma leitura bíblica ou balançar um incensário. Mas o acordo de licença diz alguma coisa sobre essas atividades? Onde? Talvez estejam nas letrinhas pequenas. Não?

Até agora, enquanto a Bíblia não diz nada, o princípio regulador proibiria essas coisas baseado em dois pressupostos.

Pressuposto um: o Espírito Santo tinha razões para autorizar na Escritura o que ele autorizou e para permanecer em silêncio onde ficou em silêncio. Presumidamente, ele tinha razões que queria que o evangelho fosse falado em palavras em vez de pintado em pinturas em reuniões na igreja. Quais são essas razões? Não sei. Talvez tenha algo a ver com o poder das imagens, ou com o segundo mandamento, ou a natureza da fé. Não faço ideia. O que eu sei é que o Novo Testamento – nosso acordo de licença – claramente autoriza as igrejas a pregarem, mas não diz nada sobre pintar figuras.

O pressuposto dois é que, em geral, os seres humanos estão autorizados a fazerem somente o que Deus os autoriza a fazer. Não temos autoridade para tirar uma maçã de uma árvore e comê-la até que o Senhor nos licencie. Ainda bem que maçãs são autorizadas em Gênesis 1.29. Então qualquer coisa que uma igreja faça quando estiver reunida – Deus deve autorizar suas atividades. Quando vamos além das Escrituras, nos arriscamos a validade de forma errada a consciência dos membros da igreja.

Estrutura pequena, grande improviso

Partidários de ambos os princípios, normativo e regulador, podem concordar que seres humanos podem adorar a Deus em todo tipo de atividade (veja 2Coríntios 10.31). Podemos adorá-lo através do teatro, pintura de dedo e talvez até mesmo com incenso, apesar de estar certo que não sou o homem que defende esse último.

A diferença entre os dois princípios surge quer a igreja local possua ou não seu próprio caráter institucional, e que os membros sejam obrigados ou não a agirem dentro das amarras explicitas, comissões e condições desse caráter quando eles são reunidos. A fraqueza do princípio normativo, na sua base, é sua falta de especificação institucional.[1] A força do princípio regulador é sua especificidade institucional.

Essa especificidade não é somente bíblica. Ela provê um pouco de estrutura que permite uma boa improvisação, como no jazz. Mesmo o mais aleatório dos momentos de um riff improvisado de jazz tem que se mover dentro de uma estrutura acertadamente rígida, pelo menos se um conjunto quer estar em harmonia.

Então, somos comissionados a pregar, orar e cantar o evangelho, não é? Quantas coisas diversas podemos pregar, orar e cantar acerca desse evangelho harmoniosamente glorioso! Quantas variações você pode tirar de uma melodia?

Notas:

[1] acredito que John Frame está correto, em um sentido, em argumentar que o princípio regulador é o mesmo para a vida cristã e para adoração corporativa (por exemplo em A doutrina da vida cristã). É a mesma coisa naquilo que Deus deve autorizar nossas atividades em ambos domínios. Porém, gostaria então de desafiar o que acredito ser a carência de Frame de uma especificação institucional acerca da existência, natureza e autoridade da igreja local em virtude das chaves do reino.

 

Tradução: Matheus Fernandes
Revisão: Yago Martins
Original: Regulative Like Jazz


Autor: Jonathan Leeman

Jonathan Leeman é graduado em Jornalismo, possui mestrado em Divindade pelo Southern Baptist Seminary (EUA) e Ph.D. em Eclesiologia. É diretor de comunicação do Ministério 9Marks.

Parceiro: 9Marks

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O ministério 9Marks tem como objetivo equipar a igreja e seus líderes com conteúdo bíblico que apoie seu ministério.

Ministério: Ministério Fiel

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Ministério Fiel: Apoiando a Igreja de Deus.

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